“Dos maus cristãos”, por Santo Agostinho, bispo de Hipona (354-430).

Conserva tudo isso gravado no teu coração e invoca a Deus, em quem crês, que te guarde das tentações do diabo. Sê cauteloso para que se não insinue em ti o inimigo que, para o mal-intencionado alívio de sua condenação, procura descobrir companheiros com quem seja condenado.


Ele ousa tentar os cristãos não só por meio dos que odeiam o nome cristãos e, lamentando que toda a terra esteja tomada por esse nome, desejam ainda servir como escravos aos ídolos e supertições diabólicas: tenta-os também, algumas vezes, através dos que a pouco lembramos, esses que cortados da unidade da Igreja como de uma videira podada são chamados heréticosou cismáticos. Outras vezes, procura experimentá-los e seduzi-los por meio dos judeus.


Mas o que cada um deve é tomar o maior cuidado para não ser tentado e iludido por homens que se encontram na própria Igreja católica – esses que, como palha, a Igreja tolera até o tempo da debulha.


Deus é paciente com eles porque, através do exercício de sua perversidade, confirma a fé e a prudência dos eleitos. E também porque muitos se tornam melhores e, condoídos das próprias almas, voltam com grande entusiasmo a agradar a Deus. E graças à paciência divina, nem todos acumulam ira para o dia da cólera do justo Juízo de Deus: muitos, a mesma paciência do Onipotente os conduz à mais salutar das dores, a da penitência.


Enquanto isso, exercita-se por meio deles não só a tolerância mas também a misericórdia dos que já estão no caminho reto.


Hás de ver muitos ébrios, avaros, trapaceiros, jogadores, adúlteros, fornicadores; verás a muitos que se atam com remédios sacrílegos, ou se entregam aos encantadores, astrólogos e advinhos de quaisquer artes ímpias.


Hás de notar, ainda, que enchem as igrejas nos dias de festa as mesmas turbas que enchem os teatros nos dias solenes dos pagãos: e vendo-os, serás tentado a imitá-los.


Por que digo verás o que, já no presente, com certeza sabes? (…)Não ignoras certamente que muitos, que se dizem cristãos, praticam todos esses atos que em poucas palavras lembrei. E talvez não ignores que algumas vezes praticam faltas mais graves – esses mesmos que se chamam de cristãos.


E, se vens com a intenção de, despreocupado, praticar os mesmos atos, muito te enganas: de nada te servirá o nome de Cristo quando começar a julgar severamente Aquele que antes se dignara socorrer misericordiosamente. [1]


Ele o anunciou e o diz no Evangelho: “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no reino dos céus, mas o que faz a vontade de meu Pai. Muitos me dirão naquele dia ‘Senhor, Senhor, em teu nome comemos e bebemos'”[2].


A condenação é o fim de todos os que perseveram em tais ações. Quando vires, portanto, muitos não ‘só as praticarem mas também defendê-las e aconselhá-las, conserva-te na Lei de Deus e não sigas os prevaricadores[3]. Na verdade, não serás julgado segundo o sentimento deles, mas segundo a verdade dele.


[1] 2Pd. 2, 12ss;
[2] Mt. 7, 21-22; Lc. 13,26;
[3] Fl. 3,18.


Fonte:
A Instrução dos Catecúmenos – Santo Agostinho; Ed. Vozes, Petrópolis – RJ, 2005.


Pintura: “Agostinho ensinando em Roma” Benozzo Gonzzoli (1420-1497)


Extraido da página do Instituto Santo Atanásio: https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=249103815665412&id=179809385928189

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